sexta-feira, 9 de março de 2012

Não podia ser em outro lugar?
por Samara Azevedo


“[...] Recusamos a obra de arte como tal e damos mais ênfase ao ato de realizar a proposição; [...] Recusamos o artista que pretenda transmitir através de seu objeto uma comunicação integral de sua mensagem, sem a participação do espectador.” (Lygia Clark, 1966.)

           

O fato de Lygia Clark doar sua arte para que os espectadores pudessem construí-la no momento do ato, e não apenas contemplá-la sob um olhar passivo, me fez questionar como se estabelecem as relações artísticas no teatro, na performance e na arte em geral. Durante uma pesquisa de performance/instalação, decidi amarrar fios em árvores, postes e bancos de uma praça, eles transpassavam o espaço e delimitavam o caminho por onde as pessoas circulavam. Pretendia estimular as pessoas a olharem seu espaço cotidiano de uma forma diferente, com barreiras que alterariam seus estados físicos e psicológicos de agitação constante. A reação não foi nada boa! A maior parte dos passantes se indignavam, vinham até mim proferindo ofensas e reclamações: “O que é isso minha filha? – É uma proposição artística, minha senhora. – Mas não podia ser em outro lugar?”.

Então qual o lugar da arte? A arte tem um lugar?

Dessas perguntas ainda não tenho a resposta. Mas em resposta ao questionamento daquela senhora decidi voltar ao mesmo lugar e realizar uma outra proposta artística, sendo mais explicitamente carinhosa com o público passante. Essa solidão cotidiana, onde  estamos sempre introvertidos em nossos milhões de problemas e compromissos, correndo de um lado para o outro, impossibilita um olhar mais atento para os objetos comuns e para os objetos artísticos que podem se colocar abruptamente em nossos caminhos.


Me veio a imagem de minha avó, que depois de 87 anos vividos, depois de ter visto “de um tudo nessa vida”, estabelecia uma relação muito delicada com objetos. Lembrei das várias coisas que ela confeccionava. De como é habilidosa com as mãos. De como eu gostava de ir para sua casa, escutar suas histórias sobre o circo da família onde ela era trapezista, dos amores, dos filhos pequenos e das festas. Lembrei de uma flor específica que ela fazia. Papel crepom, algodão e celofane. Este era o elemento que faltava. Esta flor era a melhor maneira de responder com carinho às palavras mal-educadas que recebi sobre o meu primeiro trabalho.

E estas flores estariam numa instalação em espaço público.

Peguei as linhas novamente e ao invés de dispô-las na passagem dos transeuntes, montei uma grande árvore de linhas repleta de flores de papel penduradas. As flores que aprendi a fazer com minha avó. Exemplo de pessoa que vive tão só, mas é ao mesmo tempo muito conectada com o bom e o belo da vida.



Em uma das paredes de uma praça estaria projetada a gravação de minha avó confeccionando uma flor, enquanto isso eu pendurava as flores naquela grande árvore de fios de sisal. Em outro lugar um video onde eu estava confeccionando as minhas flores. E desta vez muitos pararam para ver a doçura e sabedoria de minha avó; os fios agora eram contemplados pelos passantes que podiam também participar da ação performática, as flores eram um presente, em cada uma delas uma frase escrita escondida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário